A edição 189 da “Revista O2”, de agosto e setembro de 2019, trouxe uma reportagem sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, um playground para corredores, caminhantes, remadores e ciclistas. Robson Amorim, da Run Shop, está lá dando um depoimento sobre sua relação esportiva com a Lagoa. Vale a pena compartilhar.
Ela lembra um coração. Está localizada no coração da Zona Sul carioca. E faz bem ao coração. Essa é a Lagoa Rodrigo de Freitas, carinhosamente chamada de Lagoa. Ela mantém uma relação afetiva com corredores de todas as idades, níveis, residentes ou não na cidade que se diz maravilhosa. Com 7,5 km de extensão circular, a Lagoa pode ser considerada um parque de diversões para corredores. Ela tem diversos tipos de piso, como asfalto, terra, grama e até trilha. A variação de treinos também é possível, seja o intervalado, seja o de ritmo. Até mesmo o mental. Tudo isso numa região vizinha ao Leblon, Ipanema, Copacabana, Humaitá e Jardim Botânico.
Foi justamente por mexer com o coração das pessoas que a Lagoa se tornou um local especial para tanta gente. Para Vanessa de Figueiredo Protasio, por exemplo. Foi ali que surgiu sua paixão pela corrida. E a hoje psicóloga e coach esportiva tornou-se uma das melhores corredoras do País — com um currículo que inclui as vitórias nas edições de 1982 da Maratona do Rio e da Corrida da Ponte — sem nunca abandonar a pista em torno do espelho d’água. “Tenho uma relação especial com a Lagoa por ter iniciado meus treinos ali”, afirma Vanessa, que diariamente vê a Lagoa da varanda de sua casa, no Leblon. “Desde aquela época (há 37 anos), ela já tinha seu encanto. Era uma área reservada, com segurança, que faz parte de uma natureza. A natureza dentro de um centro urbano.”
O início dessa história de amor com a corrida se deu por causa da natação. Vanessa levava seu filho Evandro para nadar na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), na Lagoa. Acima do peso e fumante na época, ela um dia resolveu dar a volta na Lagoa correndo, enquanto o filho nadava. Sem relógio, ela imaginou que conseguiria voltar em 50 minutos para a AABB. Mas não deu. Chegou atrasada. Como gostou da experiência, Vanessa resolveu que iria continuar a correr e faria o possível para chegar antes do fim da aula de Evandro. E já conseguiu isso no segundo treino. Hoje, aos 65 anos, a Lagoa permanece como sua área de treinamento, tanto que deixa muitos jovens “comendo poeira”. Nas provas, principalmente nas de 21 km, sua paixão, ela é campeã em sua faixa etária, no Brasil e no exterior. “A Lagoa não era um polo de atividade física como é hoje. Era o ponto de treinamento dos remadores”, conta a psicóloga. “O que sempre me encantou na Lagoa é sua beleza, que transborda através da luz do dia, das suas sombras, do seu movimento de vida.”
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Esse encantamento pela Lagoa é explicado pelo visual que se tem ao redor e para os caminhos que ela leva. Como poucas cidades no mundo, o Rio oferece aos atletas, de casa e de fora, opções de correr na praia ou na montanha. E a Lagoa está no centro disso tudo. Ela pode servir de ponto de partida para os mais variados lugares. É possível ir para Copacabana, através do Corte do Cantagalo, com uma ladeira sem muita dificuldade, ou pela Rua Gastão Baiana, essa, sim, com um elevado grau de dificuldade. Ipanema e Leblon estão ali ao lado, basta entrar pelo Jardim de Alá. Quer iniciar em trilhas? Use os caminhos do Parque da Catacumba e vá aos seus três mirantes. Se quiser “falar com Deus”, o Cristo Redentor, que tem a Lagoa aos seus pés, é o destino, seja pelo asfalto, seja por trilhas. É subir a Rua Pacheco Leão e a Estrada Dona Castorina e ir em frente. “A Lagoa é a melhor área para treinamento no Rio em qualquer horário do dia ou da noite”, afirma Vanessa. “Há marcas no chão para determinar a distância a partir do ponto zero, em frente ao Clube Caiçaras, uma segurança para treinar. É estar dentro e, ao mesmo tempo, fora do dia a dia alucinante de um centro urbano.”
A afetividade com a Lagoa também está na história de Luciana Toscano, diretora da assessoria esportiva que leva seu nome. Foi ali que ela começou seus treinos para o triathlon, com Lauter Nogueira. Hoje, sua tenda tem endereço em frente à Rua Aníbal de Mendonça. “Minha relação com a Lagoa é maravilhosa. Apesar de ter vivido em Brasília por 18 anos, foi na Lagoa que descobri a corrida. Fazia triathlon e treinava corrida com o professor Lauter ali”, conta Luciana. “Desde os anos 1990 convivo com a pista da Lagoa e sua vista maravilhosa.” Responsável pela preparação de vários atletas, Luciana considera a Lagoa um local ideal para treinos. “O que mais me encanta aqui, além da vista — para mim, a mais linda do Rio de Janeiro —, são sua pista de asfalto linear e também a de terra batida.”
O professor de educação física, empresário e remador Robson Amorim é outro que bate ponto na Lagoa há mais de 15 anos. Além de remar pelos 2,5 km2 do espelho d’água, a pista da Lagoa faz parte de sua academia a céu aberto. “A Lagoa é um lugar incrível por sua natureza e pela possibilidade de se exercitar a qualquer hora do dia e da noite”, diz Robson. “Antes de o sol nascer, já tem gente correndo, remando, pedalando, andando e velejando. Essa movimentação acontece diariamente.”
O ultramaratonista Márcio Villar, recordista mundial de corrida em esteira e do Caminho de Santiago de Compostela, usa a Lagoa como base para suas ações beneficentes. Todo ano, em agosto, ele promove uma ação para recolher latas de leite em pó, ração para cachorros e gatos e roupas para idosos. Enquanto as pessoas chegam para doar, ele vai dando voltas na Lagoa, chegando a correr mais de 100 km. “Eu corro por causas sociais e a Lagoa é um local excelente para fazer essas ações por ser um lugar de fácil acesso para muitos, inclusive por causa do metrô e por ter um percurso circular”, diz Márcio, que fez o primeiro desafio para a menina Giulia Poma. “Isso aconteceu há dez anos. A família dela não tinha dinheiro para pagar os exames e corri 150 km, dando 20 voltas na Lagoa. No m, consegui arrecadar o que precisava e, assim, dava início a outras ações como essa.”
Para ele, que tem na força mental uma de suas virtudes para as ultramaratonas, a Lagoa permite fazer grandes distâncias com o mesmo ritmo e fortalecer a mente. “O desenho da Lagoa permite ao corredor manter um ritmo constante por uma longa distância. Assim, ele treina sua mente para vencer seus desafios na corrida.”
Nem só de coisas boas vive a Lagoa. Não por culpa dos atletas, mas das autoridades. As Olimpíadas do Rio, em 2016, exemplificam como as três esferas do poder negligenciam os cuidados com o local. Durante os preparativos da Lagoa para sediar o remo e a canoagem para os Jogos, muito se prometeu, mas hoje, três anos depois, não se vê nenhum legado olímpico. Um exemplo: a despoluição das águas. Era uma das promessas. Um “ex-expressivo” empresário carioca e um ex-presidente da Cedae (estatal que cuida do saneamento da cidade) garantiram que mergulha- riam na Lagoa quando ela estivesse limpa. Nenhum deles cumpriu a promessa. Nas pistas, o descaso é encontrado em alguns lugares, por isso é bom estar atento aos buracos para não se lesionar. Das ações públicas, uma que funciona é a Lagoa Presente, que, formada por policiais e guardas municipais, garante a segurança no entorno da Lagoa. Com mais pontos altos do que baixos, a Lagoa vive esporte e pulsa forte como o coração dos corredores.